Foram 26 meses de
motor fervendo, barulhos na suspensão, sucessivas
panes elétricas, infiltração de água
e motoristas deixados a pé. O desmonte só
veio confirmar o que já era uma certeza: nem mesmo
todo o prazer de dirigir um conversível seria capaz
de superar tantos aborrecimentos
O Escort passou a ser pra mim, um prazer imenso. Um orgulho. Evoluiu de um ódio sem fundamento para um amor inexplicável. Um motivo pra acordar cedo no sábado e me misturar a mecânicos, entrar e sair de lojas, enfrentar a fila do lava a jato. Um motivo pra estar lá, naquele mundo machista, recebendo olhares de desprezo e chacota e mesmo assim não me abalar, pois eu estava cuidando da minha jóia. E como isso é prazeroso! A sensação de sentir que ele te retribui cada minuto que você gastou no eletricista tentando descobrir porque a luz da bateria insistia em acender. Ele vale o esforço. Ele vale muito mais que isso.
Uma
visita a oficina autorizada a cada 6000 km rodados
– media que cai para 3750 km, se incluídas
seis revisões e cinco reparos de funilaria
pós-acidentes.
Exatos 138,5 dias parado para reparos, em 775 dias
de uso (17,9% do tempo decorrido desde a data da
compra, como se observa pelo gráfico que
margeia a reportagem).
Complicações elétricas que,
por 22 vezes em 26 meses (quase uma a cada quatro
semanas), deixaram os motoristas a pé. Como
você se sentiria se fosse o proprietário
de um carro que causasse tantos aborrecimentos?
Pois todas as situações descritas
aconteceram com o Escort 2.0i XR3 Conversivel de
Quatro Rodas.
"É
preciso muito amor para ter um carro como esse" concluiu
o consultor técnico Valter Nishimoto, que acompanhou
o Ford e realizou o desmonte. "Só uma grande
identificação com o estilo do veículo
– e com o status de esportivo que ele oferece –
explicaria a convivência com tantos e tão decorrentes
defeitos". Quando adquirimos o XR3, em março
de 1993, vários motivos justificaram sua presença
na frota. Lançado em 1985, ele era o primeiro conversível
nacional. E único, até a chegada – e
rápida retirada – do Kadet GSi nesta versão
(que sobreviveu entra 1992 e 1994). O Escort oferecia para
análise características inéditas em
nosso teste de Longa Duração. Qual seria,
por exemplo, o comportamento do motor 2.0i equipando este
tipo de modelo? Como se daria o funcionamento da capota
com acionamento elétrico, uma inovação
introduzida no país pelo próprio Ford, em
1990, e que agora teríamos oportunidade de avaliar?
Mas os inconvenientes sucederam-se em uma proporção
alarmante. "Alguns foram específicos de nosso
exemplar, como, por exemplo, o repentino vazamento de fluido
de freio, aos 18486 km", ressalva Nishimoto. "Isso
não significa, porém, que o mau comportamento
geral do carro seja um fato isolado. Superaquecimento e
panes elétricas são falhas que os Escort –
mesmo de outras versões – estão propensos
a apresentar".
Fica a pergunta: como diminuir o inevitável prejuízo
de quem desembolsou, em março de 1993, a quantia
de Cr$ 780000000,00 (o equivalente a US$ 36230,00, ou atuais
* R$32969,00) por um automóvel que, hoje, depois
de ter rodado 60000 km, está avaliado em R$21000,00*
- uma perda, portanto, de 36,3% de seu valor de revenda?.
Levando-se em conta que, a partir de 1996, ele reaparecerá
reestilizado (o que condena para sempre o design atual),
essa missão parece impossível. Ou tão
difícil quanto acabou se tornando, na pratica, seu
próprio teste.
Sistema Elétrico: o inimigo nº 1
Se
fizéssemos uma pesquisa entre os 48 motoristas
que dirigiram o conversível da frota, boa parte
deles apontaria as falhas do sistema elétrico
como sua principal fonte de dores de cabeça.
Afinal, houve praticamente de tudo envolvendo esta
parte do automóvel: disparos do alarme, bateria
sucessivamente descarregada, ventoinha que não
desligava...
Embora
os problemas elétricos nada tivessem a ver
com isso, descobriríamos, também, na
ultima revisão, que o radiador – por
um erro da fabrica – estava subdimensionado.
"O XR3 apresentou, ainda, ao longo de toda a
avaliação, um número acima do
normal de lâmpadas queimadas e fiações
soltas", lembra Valter Nishimoto. "Falhas
generalizadas do sistema. Portanto, é impossível
apresentar um único culpado, embora a bateria,
que descarregava, e os disparos da ventoinha surjam
como os principais responsáveis. A bateria,
descarregada pela ventoinha, não mantinha carga
suficiente para movimentar o motor de arranque (leia
mais detalhes nos destaques). Houve, ainda, o caso
do alarme Logo aos 508 km rodados, ele deixou de funcionar.
A partir dos 37633 km, o pior: passou a disparar.
"Um problema crônico, pois os sensores
mostram-se sensíveis a umidade", justifica
mais uma vez Nishimoto. "Daí os casos
terem ocorrido em dias de chuva".
Causas dos barulhos na suspensão
Todos
os amortecedores (à esquerda), foram substituídos
de uma só vez, na última revisão.
Encontravam-se sem carga, prejudicando a estabilidade
e contribuindo em muito para os rangidos, devido aos
desgastes nas hastes. Quanto às molas, estavam
desencapadas em algumas extremidades, o que, ao expor
partes de metal, aumentava os ruídos.
As
bandejas, nas quais se apóiam as molas e os
amortecedores, são fundamentais no processo
de absorção dos impactos do solo. Chegaram
à revisão de 60.000km em péssimo
estado. Mas apenas a do lado direito foi trocada.
A do lado esquerdo (foto ao lado), apesar de estar
com as buchas trincadas, permaneceu a mesma, por falta
de peças na concessionária.
O
coxin central da travessa (ao lado) segura o conjunto
da suspensão dianteira. Permitia que as vibrações
do motor passassem para a suspensão. Tivemos
de trocá-lo duas vezes.
Ao
lado das panes elétricas, os barulhos vindo
da suspensão lideravam o ranking das reclamações
cotidianas. Um tipo de problema que, a julgar pela
indignação de alguns de nossos leitores,
não se trata de um mal exclusivo do exemplar
por nós avaliado, nem mesmo da versão
conversível. "Adquiri um Escort XR3 ano
e modelo 94, com todos os opcionais possíveis,
que apresenta ruídos da suspensão traseira",
reclama Vitor Hermes de Castro, em carta enviada a
Quatro Rodas em 22 de dezembro de 1994. "Paguei
o que foi pedido, e garanto que meu dinheiro não
tinha defeito algum", ressalva, na época,
irritado. No caso do carro da frota, os ruídos
provinham, especificamente: a) dos rangidos dos retentores
dos amortecedores, que se encontravam ressecados (de
borracha, são eles que fazem a vedação
das hastes); b) dos calços das molas.
Quebrados, não conseguiam evitar o contato
entre as molas e os pratos que as apóiam (ambos
metálicos e, conseqüentemente, barulhentos);
c) e dos batentes superiores dos amortecedores, também
ressecados e quebrados. "As avarias sofridas
nas quedas em buracos e nos choques com lombadas ao
longo desses 60000 km prejudicaram muito a avaliação
final", opina Nishimoto. "Mesmo nesses
casos, os danos resultam de uma falha de concepção:
a pequena distância livre do veiculo ao solo
(11 cm com peso total), que limita o uso a estradas
asfaltadas. Um inconveniente característico
da linha Escort"
Na capota, 27% do valor desse Escort
Fora a suspensão,
outra fonte de intermitentes barulhos foi detectada na caixa
de direção. Só que, no caso dessa peça,
as conseqüências iam mais além, afetando,
igualmente, a condução do veículo. Devido
a suas buchas e vedações, deterioradas, a direção
trepidava e dava "trancos" ao final do curso.
Era necessário, também, um maior esforço
para estercar as rodas do carro. Tais incômodos foram
identificados pela primeira vez aos 8884 km, perdurando até
os 29849 km, apesar de virmos relatando o problema às
concessionárias desde a revisão dos 10000 km.
Neste meio tempo, tentou-se de tudo, desde trocas de reparo
interno (aos 9138 km e aos 12829 km) a reapertos, aos 19711
km. Finalmente, na revisão de 30000 km, a concessionária
Sandrecar, de São Paulo (SP), arcou com a substituição
da caixa de direção, ainda dentro da garantia.
A mesma sorte (e boa vontade) era mais rara quando necessitávamos
de componentes importados. Como os da capota, alemã,
que representava, à época da compra,
27% do valor do carro. Se por um lado contava com
um sofisticado componente eletro-hidraulico, por outro
mostrou falhas na vedação. Não
se podia abrir sequer uma fresta do vidro da porta
– que não possuía canaleta –
, durante um dia chuvoso, sem que a água respingasse
sobre a perna dos ocupantes do bancos dianteiros.
Uma vez mais um leitor, Elizardo Duarte, do Recife
(PE), nos alertou para o fato de que o problema não
era só nosso: "Com chuva, meu Escort
Conversivel, ano e modelo 92, também apresenta
goteiras na junção superior esquerda
da base do vidro".
As infiltrações
de nosso exemplar foram resolvidas com a simples troca (na
ultima revisão) das guarnições de borracha
ressecada e com diversos ajustes na capota, efetuados a
partir dos 6106 km. Ainda quanto ao acabamento o XR3 pecou
em alguns itens de fábrica, como desalinhamento da
porta esquerda, a maçaneta emperrada (que voltaria
a incomodar perto do final do teste) e má colocação
do banco do motorista (que ficava "dançando"
no trilho).
Câmbio: mesma concepção e maior
desgaste que o do Logus
Dificuldades até na troca de marcha
Mesmo procedimentos corriqueiros, como sair em primeira
sem dar trancos na alavanca de câmbio, representava
uma dificuldade enorme para quem estivesse dirigindo
o Escort. Sucessivas reclamações sobre
isso foram registradas no "Diário de
Bordo": foram quatorze, um verdadeiro recorde
de recorrência entre os defeitos específicos
apresentados pelo conversível. A mesma falha
se apresentava na ré (sobre a qual os usuários
haviam reclamado antes, na altura dos 5633 km), porque
seus dentes se localizam na mesma luva de engate da
primeira marcha. Apesar de contar com a mesma concepção
e materiais utilizados no Logus (ultimo carro a ser
desmontado, para a edição de maio),
o cambio do Ford revelou mais desgastes na analise
das peças. Fato que poderia ser explicado pelas
exigências de maior torque e potência
produzidos pelo motor AP2000 (em relação
ao do AP1800 presente no VW). Mas nem isso justificaria
a dificuldade crônica de engate da primeira
marcha, que acontecia mesmo quando o carro estava
em ponto morto.
De resto, rolamentos,
engrenagens, diferencial e vedações estavam
em excelentes condições de para um automóvel
que havia rodado 60000 km. Aos 29849 km, a autorizada Sandrecar
fez a substituição completa do conjunto platô,
disco e rolamento da embreagem, ainda dentro da garantia,
que havia se expirado há tempos – especificamente
três meses após a compra do veículo.
Entre as engrenagens do câmbio, as da segunda marcha
(na fileira de baixo) apresentaram maior desgaste.
Novos rolamento, disco e platô (da esquerda para a
direita, na foto acima) na revisão de 60.000 km.
Este último tinha uma aparência azulada, devido
ao superaquecimento a que foi submetido nas medições
finais de pista.
Apesar
dos superaquecimentos sucessivos, provocados
pelo radiador subdimensionado, e da falta
de pressão de óleo, devido ao
filtro solto, o bloco do motor surpreendeu
pelas medidas internas, todas dentro do limite.
O
tamanho dos pistões apresentava-se dentro do limite
mínimo tolerável. Já as bronzinas,
amareladas, estavam mais desgastadas.
Um raro exemplo de bom comportamento na vida do conversível:
o sistema de injeção. Formado por corpo de
borboletas e coletor de admissão (1), válvula
adicionadora de ar (2), sensor de vazão de temperatura
de ar (3) e tubo de distribuição para os bicos
injetores (4), trabalhou a contento.
Esqueceram o filtro de óleo solto
Em
60532 km rodados, o propulsor 2.0i que equipa o Escort XR3
Conversível enfrentou alguns momentos delicados.
Conseguiu subir a Serra de Santos (SP) com a temperatura
bem acima do normal – apenas um dos vários
processos de superaquecimento a que esteve sujeito. E chegou
a rodar por alguns instantes com a pressão do óleo
abaixo do nível, no dia em que a autorizada Julio
Paixão Filho S/A, do Guarujá (SP) deixou o
filtro soltom na revisão de 20000 km (como conseqüência
desta interrupção de lubrificação,
as bronzinas apresentavam uma coloração amarelada,
indicando que seu desgaste havia sido acelerado. Quanto
aos pistões, abaixo das medidas mínimas toleráveis,
poderiam, a longo prazo, exigir uma retifica completa).
Após p desmonte, ele proporcionou pelo menos uma
agradável surpresa: manteve as medidas internas de
seus cilindros ainda dentro dos limites originais, o que
nos fez desconfiar de que teria sido aberto na altura dos
30000 km. Hipótese afastada quando reconhecemos nele
as diversas marcas usualmente feitas por nosso consultor
técnico, logo após a compra de um carro, para
diminuir duvidas.
Sem freios no meio do trânsito
Aos 18486 km, um grande susto: o Escort perdeu os freios,
no meio do trânsito de São Paulo. O repórter
que o condizia conseguiu se salvar de uma grave colisão
com a traseira de outro veículo reduzindo marchas
e, em seguida, acionando rapidamente o freio de mão.
"Nunca vi nada parecido em quinze anos de profissão",
comentaria o consultor técnico Valter Nishimoto.
Motivo da pane: todo o fluido havia vazado de uma só
vez por uma rachadura em um dos tubos de metal que ligam
o cilindro-mestre às rodas.
Na tubulação
que fica junto ao cilindro mestre (1), deu-se uma ruptura
e perda da capacidade de grenagem, aos 18.486 km. Depois
desse acidente, atribuiído a um defeito específico
do carro em teste, o sistema passou a cumprir bem sua
função. A ponto de peças como o
servo-freio (3), terem seu estado geral avaliado como
"ótimo" logo depois do desmonte.
As
pastilhas dianteiras duraram muito acima da média.
Foram trocadas uma única vez, aos 40.318 km.
E, mesmo assim, isso pôde ocorrer depois do
período previsto, que é, em média,
de 20.000 em 20.000 km. Os demais componentes que
aparecem na foto permanecem originais, sem nada dever
a peças novas.
Depois do episódio, o sistema
de frenagem do Escort passou a funcionar eficientemente.
Tanto que, no desmonte, a durabilidade dos componentes foi
o ponto alto do conjunto. Embora a recomendação de troca das pastilhas
dianteiras seja, em média, de 20000 em 20000 km,
estas só foram trocadas pelas autorizadas uma vez
(aos 40318 km).
As traseiras permaneceram originais, e em
bom estado, até o final. Os discos traseiros, apesar
de apresentarem diâmetro próximo ao da peça
quando nova, apresenta-se bastante ondulados. No todo, o
carro ressentiu-se da falta do ABS, pois o pedal, muito
sensível, é propenso ao travamento em emergências.
O fluido de freio, trocado no acidente, estava limpo. |